“A arte é uma linguagem própria e criadora, cria outrasrealidades, e as expressa de forma irredutível a outra linguagem. Há os que desejam ver os sonhos explicados com razões claras e definidas, em lugar dos obscuros símbolos com que se manifestam. Mas, a rigor, o sonho expressa uma realidade na única forma em que pode expressar. Mais ainda: essa expressão é sua realidade. O mesmo ocorre com uma sinfonia ou um romance. Que quis dizer Kafka em O Processo? O que está em seu livro. A arte, como o sonho e o mito, é uma ontofania, e acabou-se. Mas, de qualquer forma, é uma revelação de algo e não um fim em si mesma. O que não quer dizer que seja a expressão ou revelação mecânica, o mero reflexo de uma realidade objetiva. Essa ideia do reflexo é um dos lugares-comuns do materialismo vulgar e do positivismo. Madame de Staël chegou a falar de uma “arte republicana” assim como nos falavam de uma “arte burguesa” aqueles stalinistas que obedeciam às ordens do Coronel-General Zdanov. Há, evidentemente, uma relação entre arte e sociedade, e talvez se possa falar de uma homologia. Em uma sociedade como a de hoje, por exemplo, na qual o homem está angustiado pela coisificação, é mais intensa a nostalgia da individualidade perdida, da intimidade avassalada, o eu violado: como não se esperar uma maior tendência à expressãoi lírica? Mas essa atitude não é um reflexo, senão um ato de rebeldia e negação, um ato criativo com que o homem enriquece a realidade preexistente. O homem produz o homem, disse Marx numa frase tão distante do famoso reflexo como um pontapé de um espelho. E nisto, como em tantas outras manifestações do pensamento atual, é prexiso render homenagem ao todo poderoso Hegel e à sua ideia de autocriação do homem. E este homem que se cria a si mesmo o faz através de tudo que o espírito subjetivo é capaz de fazer: desde uma máquina até a poesia. Qualquer obra de arte, mesmo a linguagem, mostra um duplo e dialético caráter: é, ao mesmo tempo, expressão da realidade e uma realidade em si mesma. Uma realidade que não existe fora dessa obra nem antes dela. A linguagem torna-se, assim, uma mediação e um fim em si mesma.” (Ernesto Sábato)
http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2010/08/exercicio-de-criacao-1.html
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